Maico Fiedler*
Bárbara Botura**
A história das relações de descendência e parentesco entre os seres vivos podem ser contadas por meio de árvores filogenéticas - ou cladogramas, que são ferramentas gráficas utilizadas para representar essas relações e como as linhagens de seres vivos evoluíram através do tempo. Apesar de ser um método muito utilizado em estudos de evolução, os dados representados nos cladogramas podem ser mal interpretados e levados a conclusões precipitadas sobre tais relações (Gregory, 2008). Quando incluímos espécies fósseis em filogenias, que também apresentam espécies atuais, esse cenário fica ainda mais complexo para leigos.
O Tiktaalik roseae (Fig. 1) é um fóssil de vertebrado que possui, a grosso modo, características intermediárias entre “peixes” (e.g. escamas, espiráculo) e anfíbios (e.g. presença de pescoço, ausência de nadadeiras dorsais), tendo vivido a aproximadamente 370 milhões de anos. Essa espécie extinta é comumente utilizada para explicar o surgimento de caracteres que permitiram os vertebrados conquistar o meio terrestre. Ao rastrear a posição do Tiktaalik na filogenia dos Tetrapoda podemos chegar às seguintes questionamentos: O Tiktaalik roseae é o ancestral comum de todos os tetrápodes? Os taxa extintos que possuem características intermediárias entre dois grupos relacionados podem ser considerados seus ancestrais?
Figura 1: Fóssil do Tiktaalik roseae, descoberto no Canadá em 2004.
Para responder estes questionamentos, temos de acrescentar outros fósseis à discussão, como o Eusthenopteron e o Panderichthys (Fig. 2). Muitas vezes estes taxa, junto com Tiktaalik são utilizados para contar uma história linear da conquista terrestre. Não é incomum encontrarmos em livros didáticos, gráficos ou textos que consciente ou inconscientemente induzem os leitores a entender que o Eusthenopteron é o ancestral de Panderichthys, que por sua vez é o ancestral de Tiktaalik e que este origina os tetrapoda. Esta não é uma ideia recorrente no imaginário das pessoas em geral? A ideia da evolução linear (filética) dos grupos acima citados pode não estar errada, entretanto vale salientar que possivelmente esses grupos não eram os únicos com tais caracteres a viver naquele período, e, portanto seria uma coincidência que exatamente esses grupos representassem os nós das linhagens sobrejacentes.
Figura 2. Reconstrução morfológica do Eusthenopteron, Panderichthys e Tiktaalik evidenciando as mudanças morfológicas dos grupos (características transicionais) quando os vertebrados saíram para a terra firme.
Através de uma análise filogenética (Fig.3) plotando a idade dos fósseis, percebe-se que o Eusthenopteron é um gênero mais recente que Panderichthys, ou seja, o primeiro não pode ser o ancestral do segundo (sensu filogenia de Lu et al. 2012).
Figura 3. Filogenia mostrando possíveis relações evolutivas dos grupos dos primeiros tetrápodes incluindo os grupos da figura 2. Em árvores filogenéticas os grupos fósseis nunca caem nos nós. De Lu et al (2012).
Para demonstrar corretamente as relações entre as linhagens, os fósseis (mesmo com características intermediárias) sempre são inseridos nos nós terminais das árvores evolutivas, junto às espécies atuais, pois não podemos testar a relação direta de ancestralidade do táxon extinto com os taxa atuais, mas suas relações de parentesco. Assim, não podemos inferir que o Tiktaalik é o ancestral de todos os Tetrapoda (muito menos apenas dos anfíbios), pois ele deve ser inserido na árvore como grupo irmão. Ainda assim, o Tiktaalik é fundamental para entendermos como a evolução dos Tetrapoda se sucedeu, pois sua relação de parentesco com este grupo indica quais características foram adquiridas primeiro e quais surgiram depois. O mesmo ocorre com Eusthenopteron e com Panderichthys, que são alocados em ramos laterais como grupo irmão de Tetrapoda, e não representando o ancestral.
Os cladogramas incluindo fósseis são uma ótima alternativa de ensino de evolução e devem ser utilizados em sala de aula para demonstrar a diversidade, evolução das populações, e evolução das formas. As linhagens sobreviventes são apenas parte da diversidade, e muito das linhagens que existiram não deixaram descendência, mas ficaram marcadas na história em forma de fósseis, e esses fósseis podem ajudar a entender a evolução e a origem de certos grupos, mesmo que não sejam ancestrais de fato. Os fósseis são importantes, pois nos contam histórias que aconteceram no passado, e essas histórias podem explicar padrões que vemos hoje.
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*Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria (2016). Atualmente é mestrando do PPG Ecologia da UFRGS, na área de astrobiologia, mais especificamente com aspectos ecológicos da litopanspermia.
** Mestranda no Programa de Pós Graduação em Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, trabalha com fungos coprinoides ocorrentes no Rio Grande do Sul. Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria.
Referência e sugestões
GREGORY, T. Ryan. Understanding Evolutionary Trees. Evolution: Education and Outreach, 1:121–137, 2008.
LU, J. et al (2012). The earliest known stem-tetrapod from the Lower Devonian of China. Nature Communications. 3:1160.
Sugestão de vídeo do Canal do Pirula sobre fósseis com características intermediárias.
Título: Fósseis intermediários? As figuras do livro da Evolução PARTE 2 (#Pirula 210.2)
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