Por Leonardo A. Luvison Araújo
- “Isso é apenas a sua opinião”
- “A sua opinião não é melhor que a de ninguém”
Essas frases se repetem em todas as discussões na internet. Ainda que não explícita ou conscientemente formuladas, elas se baseiam na suposição que “a verdade está nos olhos de quem vê”. Cada ponto de vista ético, político ou sobre o mundo natural produziria sua própria verdade, sendo todas equivalentes entre si.
À primeira vista esse posicionamento parece simpático, tolerante e humilde. Mas ele pode (e está sendo) utilizado para finalidades políticas muito perigosas.
Diversos exemplos podem ser observados no Brasil atualmente. Participantes do governo eleito desejam uma revisão histórica do golpe e da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), anunciando, inclusive, a revisão dos livros didáticos de História para mostrar “outra opinião” a respeito da ditadura [1].
O chanceler indicado pelo presidente eleito relativiza o conhecimento estabelecido pelo consenso internacional dos climatologistas a respeito da origem antrópica do aumento do aquecimento global, afirmando que o “aquecimento global é uma trama marxista” [2].
Outro exemplo na cúpula principal do governo eleito são as afirmações de que a educação brasileira está repleta de “ideologia de gênero” e doutrinação marxista [3].
Isso pode trazer uma série de consequências coletivas. Quando a cúpula principal do governo eleito sustenta a opinião de que as mudanças climáticas são irrelevantes, as consequências em longo prazo para este ceticismo podem ser devastadoras.
Ao afirmar que o aquecimento global é uma “trama marxista”, o chanceler brasileiro simplesmente desconsidera a análise de quase 12 mil artigos científicos que mostram a origem antrópica do aumento do aquecimento global (Cook et al, 2013).
Quando o ministro da educação afirma que o problema da educação é a “ideologia de gênero” e o “marxismo cultural” – baseando-se em reclamações isoladas e genéricas–, ele está fazendo um diagnóstico da realidade do país de modo distorcido. O ministro delega um peso muito grande para as evidências favoráveis a sua agenda prévia, ao mesmo tempo em que desconsidera outros aspectos da realidade educacional que conflitam com suas crenças, como as inúmeras pesquisas nas Universidades sobre a realidade complexa da educação brasileira.
O mesmo ocorre quando alguém não concorda com os direitos humanos. A defesa dos direitos humanos não é “apenas uma opinião", em pé de igualdade com quem não concorda. Trata-se pelo menos da opinião de jurisprudência e de prevalência da lei em diferentes países. É a voz da experiência que a humanidade teve com inquisições, crimes de guerra e regimes fascistas. Quando eu defendo os direitos humanos, a minha opinião é oferecida ao espaço público para aceitação, rejeição ou debate. Não exprimo o meu pensamento como se estivesse opinando sobre o time de futebol que sou fã ou sobre a minha preferência culinária, mas com a intenção de que cheguemos a acordo sobre o assunto. Diferente da minha opinião sobre futebol, música ou culinária, quando emito uma opinião sobre um tema importante como direitos humanos eu pretendo exprimi-la de tal maneira que ela não seja “apenas” a minha opinião, mas uma opinião com uma justificação. Queremos que as nossas opiniões mereçam assentimento, o que significa encontrar justificativas a seu favor que as pessoas razoáveis tenham de aderir.
Aliás, o Movimento Escola Sem Partido também é baseado na máxima que todas as “opiniões são iguais”. Através de projetos de leis, esse movimento pretende impor a censura ao estudo de temas que possam entrar em conflito com as convicções ideológicas, morais e religiosas dos estudantes e de seus pais, limitando os conteúdos científicos que podem ser abordados pelos professores. Os aspectos no ensino das Ciências Humanas e Naturais em contradição com determinadas “convicções e valores” de algum estudante ou sua família, poderiam ser considerados parte de uma doutrinação ilegítima e inaceitável.
Se eu aceito irrestritamente a ideia de que todas as opiniões são iguais, eu não somente coloco em equivalência a aceitação ou negação dos direitos humanos, mas também o programa de ensino das escolas e das Universidades, que podem ser baseados no conhecimento acadêmico ou nas “convicções e valores” dos estudantes e da sua família, mesmo que seja a convicção de que a Terra é plana ou os valores de uma supremacia racial.
É preciso fortalecer a pesquisa, a reflexão, a fundamentação teórica e o argumento sólido. Os conhecimentos das ciências humanas e naturais acumulados pela humanidade não podem ser confundidos com senso comum ou com discursos obscuros e revisionistas.
[1] https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/01/filho-de-bolsonaro-propoe-revisao-historica-sobre-ditadura-em-livro-didatico.html. Acesso em 26 jan de 2019.
[2] https://www.theguardian.com/world/2018/nov/15/brazil-foreign-minister-ernesto-araujo-climate-change-marxist-plot?CMP=twt_gu. Acesso em 26 jan de 2019.
[3] Geralmente essas afirmações designam qualquer coisa que aborde em sala de aula questões ligadas aos direitos humanos, desigualdade social, discriminação de gênero ou ligadas à comunidade LGBT.
COOK, J. et al. Quantifying the consensus on anthropogenic global warming in the scientific literature. Environmental research letters, v. 8, n. 2, 2013.
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