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A evolução como um fenômeno astrobiológico

por Maico Fiedler*


A evolução é um fato e um processo intrínseco aos seres vivos no nosso planeta. Temos uma boa ideia do nicho ocupado pelas espécies terrestres. Poucas espécies se reproduzem a temperaturas constantes abaixo de 0ºC ou acima de 100ºC, ou ainda, pressões acima de 40 megapascais (a pressão atmosférica padrão é de aproximadamente 0,1 megapascal) (figura 1). Baseado na amplitude de tolerância da vida na Terra, procuramos vida em planetas ou luas onde as condições estejam dentro dessa amplitude.






Figura 1. Amplitude para 3 dimensões do nicho das espécies terrestres. A salinidade dos oceanos é em média 3% de NaCl. Note que, embora a vida exista em uma faixa relativamente larga de temperatura, os limites de tolerância para o NaCl são menores. De Harrison et al. (2013).

No nosso sistema solar, os locais mais chamativos na busca por vida extraterrestre inclui a litosfera marciana, que possivelmente possui água líquida em alguns pontos a 1.5 km de profundidade no polo sul do planeta (Oresei et al., 2019). Outros corpos planetários interessantes são a lua Europa, do planeta Júpiter, e Encélado, lua de Saturno. Ambas são luas rochosas com uma crosta de gelo e uma camada intermediária formando um oceano que possivelmente cobre toda subsuperfície. A camada oceânica pode chegar a incríveis 100 quilômetros de espessura em Europa (figura 2).



Figura 2. Modelo de como seria a estrutura da subsuperfície de Europa. Adaptado da NASA/JPL

Ambas as luas podem abrigar estruturas parecidas com fontes hidrotermais em seu leito oceânico. Como sabemos, as fontes hidrotermais são “ilhas” de grande biodiversidade no leito oceânico terrestre. Algo similar pode estar ocorrendo em Europa ou Encélado.

Assumindo que exista vida fora da Terra, ela seria parecida com a nossa? A evolução ocorreria de forma similar à nossa? Existe a chance de um extraterrestre humanoide existir em algum lugar? Se a vida fora do sistema solar surgiu, ela tanto surgiu quanto evoluiu de forma independente em relação a nossa. Alguns cientistas como Cockell (2016) argumentam que podemos esperar algum grau de similaridade (convergência) entre as duas origens independentes da vida. Por exemplo, podemos esperar uma similar constituição química básica de carbono e água, já que ambos os elementos são abundantes no Universo. Além disso, também é possível que exibam algum tipo de compartimentalização, como células, se o organismo atingir determinado volume. Se os seres vivos apresentam metabolismo, isso envolve a aquisição de matéria (alimento/recurso) para manter-se vivo. Como sabemos, a matéria não é infinita. Assim, interações ecológicas como a competição e/ou predação, ou algo similar a isso, possivelmente tenham grandes chances de serem onipresentes pra qualquer ser vivo do Universo. A percepção do ambiente ao seu redor é outro fenômeno onipresente aos seres vivos, seja pela visão, audição, vibração ou comunicação química. Pode-se esperar também que algum tipo de sistema de comunicação ou percepção se evoluir, seja fortemente selecionado, seja de qualquer vida que estejamos falando. Se tais interações de fato ocorrerem, existe então uma convergência tanto estrutural (tipos de elementos envolvidos e possível compartimentalização) quanto ecológica (interações).

A convergência evolutiva provavelmente seja limitada a algumas características, mas dificilmente deva ocorrer a nível de existir extraterrestres humanoides, com mão de cincos dedos, dois olhos, uma boca e um nariz. Se reiniciássemos a história da vida na Terra, as espécies vivas hoje seriam muito diferentes das que conhecemos. Imagine se o meteoro que, entre outros, extinguiu parte dos dinossauros, não tivesse atingido a Terra... Provavelmente não estaríamos aqui na internet hoje. Do mesmo modo, é improvável que ao longo de bilhões de anos com n eventos com potencial de mudar o rumo do processo evolutivo, dois planetas apresentem de modo independente duas espécies muito similares fenotipicamente (como nós e o ET Bilu) (figura 3).



Figura 3. Histórias evolutivas paralelas podem sofrer diversas interferências ao longo do tempo, desencadeando diferentes padrões evolutivos e, possivelmente, espécies morfologicamente muito dissimilares em cada planeta.

Podemos considerar algumas transições como chaves para a vida na Terra, como o surgimentos dos eucariotos, que pode ter surgido apenas uma vez, ou a multicelularidade que surgiu algumas poucas vezes (Niklas & Newman 2013) ou ainda, a evolução dos olhos, que surgiu dezenas de vezes independentemente (Schwab 2018). Infelizmente não temos como saber até o momento se transições raras (como o surgimento dos eucariotos) também serão raras para a vida em qualquer planeta. Será que a vida pelo Cosmos é dominada por formas de vida similares a bactérias, e vida complexa é rara? Não fazemos ideia. Aqui, arbitrariamente classifico organismos maiores e com compartimentalização interna (como as células) como mais complexos, como visto na figura 4. Podemos hipotetizar também que a complexidade pode estar diretamente relacionada ao tipo de hábitat. Como exemplo, temos na Terra organismos complexos (grande tamanho corporal) vivendo em ambientes aquáticos e acima do solo. Contudo, o tamanho corporal parece ser menor em organismos que vivem permanentemente dentro do solo. Nesse caso, o substrato onde o organismo vive pode impor certas restrições a evolução de tamanho das linhagens que ali habitam. Se o padrão se manter, podemos esperar vida mais complexa em mundos oceânicos como em Europa, mas vida predominante mais simples em planetas como Marte, por exemplo, onde se existir condições habitáveis, elas provavelmente estarão apenas abaixo do solo.



Figura 4. Diferentes formas e complexidade de espécies extraterrestres imaginadas por Levin et al. (2017).

Até o momento, estamos limitados a extrapolar algumas possibilidades com base na vida terráquea, o que nos gera mais perguntas do que respostas, como pode perceber. Não temos como saber se a deriva genética ou a fotossíntese são ubíquas em todos os planetas habitados (se eles existirem). Porém, podemos dar mais peso às possibilidades de vida com base em carbono e água ou sobre o princípio da divergência e convergência evolutiva. Não conhecemos qualquer ser vivo que não seja a base de carbono ou ignore a presença da água, e a convergência/divergência permeia a evolução de todos seres vivos terrestres. Mas é claro, podemos estar completamente errados. Planejamento de explorações espaciais não tripuladas com finalidade de encontrar vida estão em curso, principalmente para Marte e a lua Europa. Quem sabe no futuro, na graduação em biologia exista a disciplina de microbiologia marciana ou biologia marinha de Europa. Poderemos então responder a pergunta: as ideias de Darwin et al podem ser extrapoladas para extraterrestres?

Referências e sugestões de leitura

Cockell, C. S. 2016. The similarity of life across the universe. Mol. Biol. Cell 27:1553–1555.

Harrison, J. P., N. Gheeraert, D. Tsigelnitskiy, and C. S. Cockell. 2013. The limits for life under multiple extremes. Trends Microbiol. 1–9. Elsevier Ltd.

Levin, S. R., T. W. Scott, H. S. Cooper, and S. A. West. 2017. Darwin’s aliens. Int. J. Astrobiol. 1–9.

Niklas, K. J., and S. A. Newman. 2013. The origins of multicellular organisms. Evol. Dev. 52:41–52.

Orosei, R., S. E. Lauro, E. Pettinelli, A. Cicchetti, M. Coradini, B. Cosciotti, F. Di Paolo, E. Flamini, E. Mattei, M. Pajola, F. Soldovieri, M. Cartacci, F. Cassenti, A. Frigeri, S. Giuppi, R. Martufi, A. Masdea, G. Mitri, C. Nenna, R. Noschese, M. Restano, and R. Seu. 2018. Radar evidence of subglacial liquid water on Mars. Science

Schwab, I. R. 2018. The evolution of eyes : major steps. Nat. Publ. Gr. 32:302–313. Nature Publishing Group.

Sobre a tendência à complexidade da vida: Lance de dados, Stephen Jay Gould

Sobre as supostas evidências de extraterrestres no nosso planeta: O mundo assombrado pelos demônios, Carl Sagan


Sobre a astrobiologia: Astrobiologia, uma ciência emergente, organizado por Galante et al. Disponível em www.iag.usp.br/astronomia/sites/default/files/astrobiologia.pdf

Sobre divulgação de temas relacionados à astrobiologia e astronomia: www.youtube.com/c/SpaceTodayTV/videos


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*Graduado em Ciências Biológicas (UFSM). Mestre em Ecologia (UFRGS), atualmente doutorando pelo mesmo programa. Atualmente tem interesse em pesquisar padrões e processos macroevolutivos, principalmente em formigas, assim como a distribuição geográfica desses organismos.

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