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Evolução e crimes ambientais: o que tem a ver?

Por Leandra Formentão e Andrea Rita Marrero


Crimes ambientais envolvem desde o desmatamento e poluição, até a comercialização ilegal de plantas e animais silvestres (ou suas partes) e a pesca ilegal de espécies proibidas ou em período de defeso. Para garantir a aplicação correta da Lei de Crimes Ambientais Brasileira (Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998), é fundamental identificar espécies e determinar como agravante de qualquer crime ambiental o fato de atingir espécies ameaçadas de extinção. Os recentes eventos em Mariana e Brumadinho, envolvem crimes de diversas esferas e o reconhecimento das espécies impactadas é uma forma de auxiliar na dosimetria de pena [1]. Outro exemplo é a identificação de das espécies envolvidas em carne de caça ou pescados; em ovos de aves destinados ao comércio ilegal (Figura 1); em madeira de desmatamento ilegal, entre outros.

Figura 1. Fotos de ovos apreendidos durante operação da Polícia Federal em maio de 2018 no Aeroporto Internacional de Manaus. Fonte: Polícia Federal <http://amazonasatual.com.br/homem-e-preso-no-aeroporto-de-manaus-com-ovos-de-animais-silvestres/>.

Nestes casos as amostras podem estar tão comprometidas que não é possível a identificação da espécie através de caracteres morfológicos, restando apenas partes processadas ou vestígios. Aqui temos o elo entre a evolução e crimes ambientais, visto que os “códigos de barras” de DNA permitem a identificação das espécies a partir de material biológico como manchas de sangue, cascas de ovos, penas, tecido muscular, partes de órgãos, pele, pelos, porções de folhas, madeira e outras partes de plantas, entre outros.


Mas afinal, o que são códigos de barras de DNA? Vamos iniciar o seguinte pensamento a partir da nossa vida cotidiana:


Quando vamos ao supermercado, podemos ver que cada produto possuí um código de barras. Esse código de barras passa por um leitor que nos diz exatamente o preço daquele produto específico. Como isso é possível? Muito simples. Aquele conjunto de barras que vemos representa um código composto por uma sequência de 0 e 1 que é única para um produto e o leitor computacional é capaz de identificá-lo, buscando em uma base de dados previamente organizada.


Pensemos na seguinte frase dita anteriormente: “sequência de 0 e 1 que é única para um produto”. Podemos substituí-la por “sequência de A, T, C e G que é única para uma espécie” e temos o pensamento que levou pesquisadores a estudarem regiões do genoma com possíveis DNA barcodes da vida. Os estudos para aplicação em crimes ambientais envolvem majoritariamente espécies de animais e plantas.


Um DNA barcode (Figura 2) eficiente representa uma região do genoma que, em qualquer espécie, possuí substituição de bases nitrogenadas em posições específicas, capazes de gerar maiores valores de distância evolutiva entre espécies que os valores de distância evolutiva em indivíduos de uma mesma espécie. Além disso, devem haver regiões conservadas, ou seja, muito semelhantes em todas as espécies, nas duas extremidades da região variável para que seja possível a utilização de iniciadores universais.



Figura 2. DNA barcode de uma espécie de ave. Em A está representado o resultado de um sequenciamento de DNA. Em B, a representação do DNA barcode a partir do sequenciamento de DNA, onde cada cor de barra representa uma base nitrogenada.

Mecanismos evolutivos tornaram possíveis tais variações, ou polimorfismos, na sequência de bases nitrogenadas entre espécies. Mas não é toda a região do genoma que pode ser utilizada, já que muitas delas possuem grande variabilidade intraespecífica.


O conjunto de DNA nuclear tem características diferentes dos DNAs de mitocôndrias e de cloroplastos, como maior tamanho e número de genes e grande quantidade de regiões não codificantes. Estas diferenças são origem dos diferentes mecanismos evolutivos atuantes no DNA, sendo que o DNA organelar sofre influência maior de forças evolutivas não adaptativas: deriva genética e mutação.


No caso do DNA de organelas, mutações que alteram a função dos produtos gênicos são frequentemente deletérias, visto que mitocôndrias e cloroplastos desempenham funções vitais nos organismos. Assim, a pressão de mutação dada pela manutenção de mutações neutras no DNA organelar é maior que no DNA nuclear, permitindo que o primeiro tenha maior taxa de mutação. Além disso, a maioria das mutações que são mantidas no DNA de organelas ocorrem em regiões gênicas que codificam as porções das proteínas que estão distantes dos sítios catalíticos [2] ou regiões que não comprometem funções importantes no organismo. Portanto, o DNA organelar tem mais regiões variáveis entre espécies que podem ser usadas como DNA barcode.


Nos animais, a taxa de mutação do DNA mitocondrial (mtDNA) é bastante alta: o RNA mensageiro (mRNA) não passa por edições, não há duplicação gênica e há ausência de íntrons e de recombinação. Isso permitiu propor a proposição de uma porção de um gene mitocondrial (o citocromo oxidase I, ou COI) como o DNA barcode da vida. Entretanto, existem diferenças evolutivas entre genes mitocondriais de diferentes táxons e entre o mtDNA de animais e de plantas. Assim, não há como padronizar uma região do genoma como DNA barcode de todas as espécies de animais e plantas conhecidas, mas pode haver DNA barcodes específicos de determinados táxons monofiléticos. Atualmente “peixes”, mamíferos e aves possuem regiões gênicas do mtDNA padronizadas como DNA barcode a partir da análise de um grande número de espécies.


O mtDNA de plantas tem taxa de mutação menor, possuí íntrons e genes duplicados e não apresenta polimorfismos entre espécies. Isso faz com que este não seja um bom genoma para padronização de DNA barcodes de plantas. Assim, o DNA cloroplastidial (cpDNA) tornou-se uma alternativa para a busca de DNA barcodes desse grupo. O cpDNA têm características intermediárias às do mtDNA de animais e mtDNA de plantas, sendo mais semelhantes ao primeiro. Estudos são recorrentes e, embora não se tenha padronizado um DNA barcode de plantas, alguns genes do cpDNA já se mostraram eficientes em alguns táxons e são utilizados em conjunto em situações forenses.


Para que a identificação da espécie em uma amostra desconhecida seja realizada deve haver um banco de dados representativo de todas as espécies, assim como o banco de dados do supermercado tem informações sobre todos os produtos. Este é um grande desafio, já que muitas espécies de animais e principalmente de plantas ainda não são representadas nos bancos de dados. Apesar disso, o uso de DNA barcode já foi usado como prova de diferentes crimes ambientais em todo o mundo. A apreensão relatada na notícia fonte da Figura 1 é um destes casos onde o DNA barcode foi aplicado na geração de evidências para dosimetria de pena de um crime contra a fauna cometido no Brasil. Estudos baseados na evolução de genomas continuam sendo realizados a fim de aumentar o poder das evidências de DNA também em crimes ambientais.

[1] Determinação da penalidade aplicada a um infrator de acordo com os agravantes e atenuantes de pena presentes nas Leis.

[2] Região das proteínas onde ocorre a reação que determina sua função.

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